Pesquisa sobre psicografia pode ajudar a desvendar mediunidade
Fonte: jornalopcao.com e g1.globo.com
Médico goiano integrou equipe de cientistas que analisou o cérebro de
médiuns em processo de transe. Resultados inéditos colaboram para
romper paradigmas científicos
Fernando Leite/Jornal Opção
Leonardo Caixeta, doutor em
Neurologia: “Nós não podemos negar um fenômeno que existe, que está a
olhos vistos, que qualquer cientista honesto tem de reconhecer: nós
somos seres espirituais”
Thiago Burigato
Poucas vezes a fronteira entre a fé e a ciência costuma ser testada por
pesquisadores. Muitas vezes, o preconceito e o temor de críticas por
parte de seus pares impedem cientistas de ir fundo em questões que
poderiam levar o conhecimento humano a compreensões que a razão pura e o
senso comum não conseguiriam vislumbrar. No entanto, vez ou outra um
grupo de estudiosos resolve romper as amarras pré-estabelecidas,
pesquisar o que poucos consideraram antes e chegar a conclusões
surpreendentes, que prometem romper paradigmas e abrir portas para novas
possibilidades.
Leonardo Caixeta, doutor em Neurologia pela Universidade de São Paulo
(USP) e professor da Universidade Federal de Goiás (UFG), é um dos que
se se dispõem a averiguar o que outros não se atreveriam. Juntamente com
outros três cientistas brasileiros e um estadunidense, ele iniciou em
2008 um estudo que buscava aferir o que acontece na cabeça de um médium
no momento do suposto contato com o sobrenatural. Publicada em novembro
deste ano, a pesquisa recebeu o reconhecimento da comunidade científica
internacional e tem suscitado debates sobre os novos rumos dos estudos
científicos — cada vez mais receptivos ao espiritual, mas ainda
entremeados de preconceitos.
Caixeta relata que a ideia da pesquisa veio exatamente por conta de os
membros do grupo se sentirem incomodados com o predomínio do paradigma
materialista, o que, segundo ele, limita a ciência, impossibilitando que
novos ramos sejam explorados e novas descobertas sejam feitas. “É
importante que a ciência se dedique mais a isso (a explorar novas
áreas), porque ela não pode ser parcial. A ciência não pode estudar só
um campo e deixar outro de lado, porque ela não tem preconceito”,
afirma. “A ciência talvez seja a coisa mais democrática que o ser humano
tenha criado até hoje, porque ela não tem dogmas. Ciência é o método
científico. Se você conseguir comprovar o que está falando usando
métodos, eu sou todo ouvidos para lhe escutar.”
Há quatro anos, Caixeta e professores da Universidade de São Paulo e da
Universidade Federal de Juiz de Fora — Julio Peres, Alexander
Moreira-Almeida e Frederico Leão — decidiram estudar os limites entre as
experiências materiais e as experiências extracorpóreas usando
metodologias científicas. Para este fim, o grupo entrou em contato com
Andrew Newberg, renomado neurocientista estadunidense que já participou
de estudos referentes a possessões demoníacas e realizou estudos sobre o
processo de transe de monges budistas. Em seu laboratório, no Hospital
da Universidade da Pensilvânia, na Filadélfia, os cientistas puderam
analisar os cérebros de dez médiuns brasileiros durante o processo de
psicografia.
Os objetos de estudo não tiveram seus nomes revelados. Eles eram todos
registrados na Federação Espírita Brasileira (FEB), que apoiou os
cientistas no trabalho que estavam desenvolvendo. Os médiuns, seis
mulheres e quatro homens, se voluntariaram para participarem da
pesquisa, mas só foram selecionados após um longo processo de triagem.
Estavam entre os pré-requisitos em que deveriam se encaixar: não
sofrerem problemas de saúde, serem destros, não portarem nenhum
transtorno mental (como esquizofrenia, depressão, autismo ou
bipolaridade, por exemplo) e não fazerem uso de nenhum medicamento
psiquiátrico. Era essencial para os cientistas que metade dos médiuns
tivesse várias décadas de experiência com psicografia, enquanto a outra
metade tivesse apenas alguns anos de prática de contato com o mundo
espiritual.
O procedimento a que foram submetidos é conhecido como Spect, ou Single
Photon Emission Computed Tomography, na sigla em inglês (ou
“Tomografia Computadorizada de Emissão de Fóton Único”, em português).
Ele consiste na aplicação de substâncias radioativas na corrente
sanguínea, que permitiriam o mapeamento da atividade cerebral dos
médiuns por meio do fluxo sanguíneo.
A hipótese dos cientistas, ou seja, o resultado que eles esperavam
encontrar com o estudo, era o que qualquer cético poderia intuir sobre o
processo psicográfico: que as áreas do cérebro ligadas à criatividade e
ao planejamento — as que são comumente usadas durante o processo de
desenvolvimento e escrita de um texto — seriam as mais trabalhadas.
Essas regiões, então, receberiam maior fluxo sanguíneo, o que seria
evidenciado pelo exame.
Os resultados, porém, foram surpreendentes: os cérebros dos médiuns
estudados, especialmente daqueles mais experientes, apresentaram pouca
atividade enquanto elaboravam os textos supostamente influenciados por
espíritos. O lóbulo frontal, a parte do cérebro responsável pelo
planejamento e pela criatividade, teve atividade muito inferior ao que
era esperado para ocorrer em um processo complexo que envolve a
concentração, a organização de ideias, a escolha de palavras, a
elaboração de um discurso lógico etc.
De forma contrastante, quando submetidos ao mesmo procedimento fora do
transe mediúnico, incitados a escreverem uma redação de autoria própria,
os médiuns apresentaram atividade intensa no lóbulo frontal, ainda que
os textos desenvolvidos tenham complexidade muito inferior aos
produzidos durante o processo psicográfico. A hipótese, sugerida pelos
próprios objetos de estudo e endossada por Caixeta, é a de que durante o
contato com os espíritos, o cérebro dos médiuns funcionaria como que em
uma espécie de piloto automático, anulando a individualidade e
permitindo que seus corpos funcionassem como uma ferramenta suscetível à
influência dos espíritos para a realização de uma determinada
atividade. Nesse processo, o metabolismo dos médiuns estaria
desacelerado e suas próprias personalidades e raciocínio não estariam
expostos, o contrário do que ocorre durante a execução de uma tarefa
consciente e planejada.
A maior atividade percebida no cérebro dos cinco médiuns menos
experientes durante a psicografia, quando comparados àqueles que já
possuíam vários anos de prática, pode sugerir que quanto mais
experiência a pessoa tiver com a mediunidade, mais aberta ela se torna a
receber manifestações espirituais e mais ela se entrega à atividade
mediúnica, permitindo a uma suposta entidade atuar sobre ele de forma
mais fluida. Quanto menor a experiência do médium, menos propenso ele
seria para a recepção de influência espiritual e mais de sua
personalidade estaria presente no processo psicográfico.
O resultado obtido com o experimento deixou perplexos os cientistas
envolvidos, mas não os médiuns submetidos aos testes. Familiarizados
com o que a literatura espírita diz sobre o assunto, eles já supunham
qual seria a conclusão do estudo.
Apesar de inédita e perfeitamente consistente com os rigores
científicos, os estudiosos temiam que a pesquisa não pudesse ser
publicada devido a sua natureza voltada para o que é considerado
sobrenatural. O motivo da apreensão era relacionado à recepção de
pessoas ligadas à comunidade acadêmica, ainda muito preconceituosa com
determinados temas. Muitos cientistas que às vezes tem vinculação
religiosa — não é porque é cientista que tem de ser ateu — sempre
tiveram alguma hesitação de começar a entrar nesse campo por parte da
receptividade da comunidade acadêmica. “Nós no início hesitamos de
entrar nesse caminho. Tínhamos preocupações como ‘será que vamos
conseguir verba para fazer essa pesquisa? Será que vamos conseguir
publicar esses dados?’ ”, conta Caixeta.
A publicação de um estudo em uma revista científica é a validação de
que ela foi aceita e reconhecida por seus pares. “Se a pesquisa é
publicada no Brasil, ela é reconhecida pela comunidade científica
nacional. Se é publicada fora, é reconhecida pela comunidade
internacional”, explica. Sem a publicação, todo o esforço e investimento
empreendidos para a realização de um estudo seriam em vão. Os temores
da equipe de cientistas, contudo, se mostraram injustificados depois que
a quarta mais importante revista científica do mundo, a “PLoS One”,
reconheceu a qualidade do trabalho realizado e efetuou sua publicação em
novembro deste ano sob o título “Neuroimagem durante o estado de
transe: uma contribuição ao estudo da dissociação”.
Caixeta afirma que, nos cinco primeiros dias após a publicação, o
estudo foi acessado cerca de 5 mil vezes, o que comprovou o
reconhecimento da comunidade internacional. O cientista avalia também
que os dados revelam maior interesse e maior receptividade a esse tipo
de achado, fato que surpreendeu os autores do projeto.
As críticas, parte do processo acadêmico, ainda não começaram a chegar,
dado o curto tempo decorrido desde a publicação da pesquisa. Caixeta,
porém, tem a expectativa de que elas se limitem a pontos referentes à
forma como o experimento foi conduzido, como, por exemplo, a utilização
de uma amostragem muito pequena, ou talvez algum questionamento sobre o
processo de aferência dos dados. “Em ciência você não pode chegar e
falar ‘eu não acredito!’. É diferente da religião, onde você pode chegar
para um padre e dizer: ‘eu não acredito no que você está falando’. Em
ciência você segue um método, todas as informações são relatadas. Então,
se houver alguma crítica, ela vai ser voltada para questões
metodológicas”, diz.
A continuidade do estudo está nos planos de Caixeta e de outros
cientistas goianos. Em parceria, eles pretendem ampliar a quantidade de
objetos de estudo e replicar os procedimentos para verificar se os
resultados se repetem. Outras situações mediúnicas também devem ser alvo
de análise. Enquanto alguns dizem ter somente a capacidade de
reproduzir textualmente as mensagens dos espíritos, outros teriam a
habilidade de transmiti-las por meio da própria voz ou da pintura, por
exemplo, e esses casos seriam levados em consideração em outras
pesquisas.
Caso os próximos procedimentos apenas confirmem os dados relatados,
esse experimento pode ajudar a escancarar as portas para um viés da
ciência voltado para o estudo daquilo que tem uma base extramaterial,
que possivelmente jamais seria alvo de estudo dentro da ciência
materialista. Como frisa Caixeta, o objetivo da pesquisa da qual ele fez
parte nunca foi provar a existência (ou a não existência) de Deus, mas
sim estudar um fenômeno abundante em culturas de todo o mundo e que tem
relevância especialmente em terras brasileiras. Mas, como parte de uma
vertente da ciência voltada para o religioso e para o espiritual, o
estudo pode ajudar a romper com paradigmas e a estabelecer
definitivamente uma tendência voltada para a pesquisa do sobrenatural e
do imaterial.
Caixeta defende que a ciência não se baseie em preconceitos e que os
cientistas, em especial os da área médica, não fechem os olhos para
novas possibilidades. “Segundo a Organização Mundial da Saúde, nós somos
seres físico-psíquico-sócio-espirituais. Então nós temos uma vertente
física, um viés psicológico, um lado social e uma dimensão espiritual.
Portanto, nós não podemos deixar de contemplar isso”, diz. “Isso é
especialmente caro para as ciências médicas porque em Medicina nós nos
deparamos com situações em que o médico precisa ter um conhecimento
maior nessa área para não se deixar enganar por determinados
diagnósticos e também para tratar melhor seu paciente dentro do seu
âmbito cultural.”
Segundo Caixeta, apesar do preconceito ainda entranhado no meio, a
ciência hoje segue a tendência de dar cada vez mais relevância ao lado
espiritual do ser humano. Essa tendência, diz, é irreversível. “Nós não
podemos negar um fenômeno que existe, que está a olhos vistos, que
qualquer cientista honesto tem de reconhecer: que nós somos seres
espirituais. Isso significa que nós temos aberturas a manifestações,
fenômenos e entendimentos que estão além do nosso corpo”, afirma.
“Passamos por um momento em que se torna necessário aproximar o método
científico dos fenômenos religiosos e espirituais, de toda essa
antropologia da religião e da conexão do homem com Deus.”