Lições budistas em pequenas frases
Os koans revelam, por meio de pequenas frases,
charadas e parábolas, a essência da sabedoria zen budista. A seguir,
saiba mais sobre esses curiosos enigmas
Texto • Carine Portela . Fonte: Triada.com
Certo
dia, um renomado professor de filosofia foi visitar um mestre para lhe
fazer perguntas sobre o zen, o bem, o mal e uma infinidade de outros
assuntos. Antes de responder qualquer coisa, o mestre lhe ofereceu uma
xícara de chá. O professor aceitou a bebida e continuou a falar,
emendando uma indagação atrás da outra, sem parar nem mesmo para
recuperar o fôlego. Ainda em silêncio, o mestre fez uma mesura e começou
a servir o chá na xícara do visitante. Logo, o líquido transbordou,
inundando o pires e, mesmo assim, o mestre não parou de despejá-lo, até
que o filósofo exclamou: “Pare! Não vê que a xícara já está cheia?” O
mestre, então, sorriu e disse: "A xícara está cheia e não dá para
colocar mais chá nela antes que seja esvaziada. Da mesma maneira, sua
mente está cheia de ideias e, para que eu possa lhe passar os
ensinamentos zen, você terá de, antes, esvaziá-la".
Para transmitir um valioso ensinamento, o sábio agiu de forma
inusitada. À primeira vista, seu comportamento pode ter parecido
bizarro, mas, como logo ficou esclarecido, sempre esteve de acordo com a
essência de sua doutrina e, principalmente, com a lição que devia ser
ensinada naquele exato momento.
Certamente, essa não é a primeira vez que você se depara com um
mestre zen irreverente. Na verdade, eles são bastante comuns em
parábolas orientais e adoram surpreender (a nós e a seus discípulos) com
suas respostas enigmáticas, suas atitudes inesperadas e sua maneira tão
singular de enxergar a vida. Em outras palavras, podemos dizer que eles
são verdadeiros mestres do koan.
Janelas da verdade
Tradicionalmente, o termo koan refere-se ao registro de um diálogo
entre o mestre e seu discípulo, durante o qual o discípulo chega
espontaneamente à experiência da iluminação. Com o passar do tempo, koan
passou a significar qualquer frase, pergunta, charada ou parábola que
possa ser usada como objeto de contemplação e, assim, estimular a
reflexão sobre diferentes formas de perceber o mundo.
Um koan pode ser um desafio para testar o nível de sabedoria do
discípulo, mas também pode ser simplesmente um bom conselho. Um koan
pode ser uma charada que esconde um precioso ensinamento, mas também
pode ser apenas uma forma de calar a mente. Para Timothy Freke, autor do
livro O Baralho Zen (Editora Pensamento), “os koans são janelas, através das quais podemos vislumbrar as verdades do budismo”.
Alguns dos koans mais conhecidos são perguntas absurdas, como “qual é
o som de uma só mão batendo palmas?” e “que cara você tinha antes de
nascer?”. Não há resposta lógica possível para eles e isso, na verdade,
não faz diferença. O importante, para o zen, é exercitar a capacidade de
buscar soluções intuitivamente, sendo, para isso, necessário esvaziar a
mente de velhos conceitos, assim como sugere o sábio da xícara de chá.
O fluir da intuição
Sempre que ficamos frente a frente com um koan, o melhor a fazer é
colocar o raciocínio lógico de lado e deixar fluir a intuição. De nada
adianta tentar entender uma parábola ou enigma zen-budista utilizando o
raciocínio cartesiano. O que o zen sugere é exatamente o contrário: uma
mudança de percepção, outro modo de ver, um vislumbre da verdade
simples.
Com a prática, o exercício de refletir sobre os koans desenvolve a
sabedoria da arte de viver. Quando essa capacidade está plenamente
desenvolvida, deixa de haver qualquer diferenciação entre o pensar, o
sentir e o agir. Tudo passa a ser um único movimento de consciência, que
flui de modo espontâneo a partir do coração.
Quanto mais limpamos da mente as velhas idéias e nos permitimos
experimentar novas possibilidades, mais natural se torna esse processo.
Aos poucos, nossa jornada pela vida se transforma em uma jornada para o
despertar. Dessa forma, mais do que entender o zen, você passa a viver o
zen.
Quanto maior a capacidade de amar, maior é a sabedoria
Segundo os ensinamentos do budismo, sabedoria e compaixão são
qualidades inseparáveis da nossa natureza búdica intrínseca. Ser sábio é
amar e amar é ser sábio. A sabedoria é a qualidade da mente que vê além
dos limites do ego e conhece a unidade da vida. O amor é a qualidade do
coração que nos une com os outros e com a vida como um todo. O caminho
para a iluminação é abrir a mente para a sabedoria e o coração para a
compaixão.
As sementes do passado são os frutos do futuro
O budismo prega a lei do karma – que nossa presente situação foi
criada por escolhas passadas. O karma é mais do que uma espécie de
justiça cósmica que nos castiga por nossos pensamentos e atos maléficos
ou nos recompensa pelas nossas boas ações. É um mecanismo natural que
ajuda a fortalecer a própria consciência. Se agimos mal no passado, foi
por ignorarmos que a bondade é a natureza essencial. Quando a situação
nos obriga a reconhecer isso, ela está nos ajudando a, no futuro,
prestar mais atenção.
Contemple as estrelas, mas andando com os pés firmes no chão
O mestre zen D. T. Suzuki escreveu: “Com toda a nossa filosofia, com
todas as nossas ideias grandiosas e enaltecedoras, não conseguimos
escapar da vida enquanto a vivemos. Os que têm os olhos fitos nas
estrelas continuam pisando em solo firme”. A filosofia budista pode, às
vezes, nos levar às últimas fronteiras do pensamento abstrato, com
conceitos como “vazio” e “iluminação”, mas a Verdade de seus
ensinamentos só pode ser encontrada na vida cotidiana.
A onda e o mar são um só
O mestre Thich Nhat Hanh escreveu: “A onda vive a vida de uma onda e,
ao mesmo tempo, a vida de água”. O zen nos ensina que nosso ser é como
uma onda no grande oceano da vida. Se a nossa experiência se restringe
apenas à superfície das coisas, achamos que somos a onda, nos sentimos
arrastados e temos medo de nos espatifarmos contra os rochedos. Se nossa
experiência desce às profundezas das coisas, sabemos que somos o oceano
todo, e a ansiedade desaparece. As ondas vêm e vão, mas o oceano
permanece.
A mesma lagoa.
O sapo dá um pulo – Plop!
Esse poema apreende um instante mágico. Ele aponta para um estado de
atenção no qual um sapo insignificante, saltando para dentro de uma
lagoa, constitui uma experiência de encantamento. Se damos total atenção
ao momento presente, voltamos a ver, ouvir e sentir como quando éramos
crianças. O mundo torna-se um fascinante parque de diversões, com uma
infinidade de atrações e mistérios. Não temos de correr em direção ao
futuro, pois cada instante presente contém mais do que jamais poderíamos
sonhar.
Vá além
Os koans que você acabou de conferir foram retirados do livro O Baralho Zen,
de Timothy Freke. A obra, que vem juntamente com um baralho de 30
cartas (cada uma com um koan diferente), foi feita sob medida para quem
quer fazer do zen um guia para a vida cotidiana. Você pode pedir
conselhos, fazer perguntas ou, simplesmente, utilizar as mensagens das
cartas para refletir sobre diferentes temas, diariamente.
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